segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

FH: Partidos Políticos, democracia e paz


Husi: Agio Pereira*

O Presidente da República, Dr. José Ramos-Horta, apela aos eleitores Timorenses para terem consciência do valor do voto. Uma forma de valorizar o voto, diz o Presidente, é votar nos partidos grandes (vota ba partido bo’ot sira, labele estraga imi nia voto); não desperdiçar o seu voto nos partidos pequenos.

É um apelo que se dirige à responsabilidade do acto de votar. Este apelo dá, contudo, inúmeras oportunidades aos críticos do Presidente da República para apresentarem contra-argumentos. Primeiro, está em causa o princípio da liberdade de escolher, pois, cada votante Timorense tem o direito de votar em quem entender. Segundo, questiona-se o princípio da confiança. O votante poderá não querer dar o seu voto a um partido que não é merecedor da sua confiança. Terceiro, o princípio básico da democracia de que os partidos políticos são os instrumentos políticos da democracia e uma vez registados, podem e devem participar no processo de debate público sobre o futuro do país; e de se submeterem a eleições nacionais para serem julgados pelos votantes em pé de igualdade com todos os outros partidos políticos do Estado. Todos estes princípios derivam do estatuto de cidadão. No âmbito geral e, em particular tal como a Constituição da RDTL determina, “A Cidadania é, simultaneamente, um status e o direito de participar na vida jurídica e política que o Estado propicia e de beneficiar da defesa e da promoção de direitos que o Estado concede”.[1]

Duas perguntas pertinentes se formulam. Será que é um dever de cidadania votar só nos partidos grandes? E, votar nos partidos pequenos significa desperdiçar o voto?
Recentemente, no final de um dia de longo debate no Parlamento Nacional, o Presidente do Parlamento, Fernando La Sama, observou aos seus colegas deputados que está a ponderar a criação de uma organização não-governamental, só para promover os ‘deveres’ dos cidadãos. Reflectindo a preocupação do Presidente da República, o Presidente do Parlamento pareceu expressar a sua inquietação com demasiadas exigências dos direitos, mas com os deveres, ninguém se preocupa.

Esta reflexão sobre os deveres do cidadão para com o seu país, registou-se na história com o discurso da Tomada de Posse do Presidente J. F. Kennedy, no qual apelou aos seus compatriotas Americanos para não se preocuparem com o que América poderá fazer por eles; antes pelo contrário, devem preocupar-se com o que cada um deles poderá fazer para a América. Um apelo patriótico, de um Presidente que teve que lidar com algumas das experiências mais difíceis da História da Humanidade, incluindo os riscos enormes de guerra nuclear que poderá destruir o mundo, tal como muito bem denunciado no filme de 1983 ‘The Day After’ (O Dia Seguinte)[2] sobre uma possível guerra final entre a União Soviética e os Estados Unidos. Neste filme, com a detonação de várias ogivas nucleares, provava-se que numa guerra nuclear é impossível distinguir entre vitoriosos e derrotados/(vencidos e vencedores). E, foi este filme que instigou o Presidente Ronald Reagan a estender a mão ao seu homólogo Presidente Soviético Mikhael Gorbachev e pôr fim a décadas de desconfiança mútua entre as duas superpotências; um gesto que, para muitos, foi o verdadeiro início do fim de Guerra Fria. Os cidadãos que ocupam os cargos de mais alto nível, sobretudo os dos Estados mais poderosos, detêm também a responsabilidade de salvar o mundo.

A liberdade de escolher

É comum ver nos estatutos de organizações políticas o princípio do direito de votar bem como o dever de votar. Mas estes princípios frequentemente criam confusão até para peritos em leis, porque o direito de votar não se traduz no direito de não votar, mas sim no dever de votar. Uma das razões subjacentes é simplesmente a de contribuir para reforçar a legitimidade dos que acabam por ganhar a maioria dos votos. Por esta mesma razão, que o Presidente da República Dr. Ramos-Horta urge, é que os cidadãos timorenses não devem de usar este direito de votar para contribuírem com votos nulos e minimizarem o resultado prático imprescindível ao desenvolvimento saudável da jovem democracia timorense. Esta preocupação justifica-se porque se os votantes não tiverem a consciência (não consciencializarem a necessidade) da necessidade de assegurar, pelo menos, um partido político com a maioria absoluta de votos para, assim, garantir, a estabilidade legislativa do país e, possivelmente, também a estabilidade governativa, todo o processo da organização das eleições acaba por não resultar na tão desejada estabilidade política nacional.

O direito do cidadão á liberdade de escolha deve ser, nesta órbita de pensar, equilibrado com o seu dever de escolher com o objectivo de contribuir para o bem do seu país. Assim sendo e voltando ao Presidente Kennedy, a responsabilidade do cidadão votante é de não se preocupar com o que o seu país poderá fazer por ele, mas sim com o que ele poderá fazer para o seu país. Por conseguinte, votar nos partidos grandes poderá ser visto como um acto de responsabilidade pertinente à salvaguarda da estabilidade nacional. Tal requer que os votantes exerçam o seu direito de votar com uma atitude positiva, autoconfiante e com confiança no futuro.

Tal como o Presidente da República Ramos-Horta, o Presidente do Parlamento Nacional, Fernando La Sama de Araújo, também reflectindo J. F. Kennedy, apelou aos seus compatriotas cidadãos para se focarem mais nas suas responsabilidades. Este apelo detém enorme relevo político para as eleições de 2012 por vários motivos.

Primeiro, porque uma das opções dos cidadãos é a de votar com um voto em branco, contribuindo para o aumento dos votos nulos. Por isso deve-se ter em conta que o acto de escolher livremente é um direito fundamental de cidadania; mas escolher com a devida responsabilidade é o seu respectivo dever. Este dever é muito mais importante que o direito. Escolher com responsabilidade é ter em conta o impacto do voto no futuro do país. Um só voto poderá ser concebido como ‘irrelevante’, mas quando se tem em conta que não há oceanos sem gotas de água, o meu voto torna-se imprescindível ao bem-estar comum do meu país.

Segundo, reside no dever cívico de dar bom exemplo de cidadania. O acto de votar é um dever cívico singular, exercido frequentemente nos processos democráticos mas, sobretudo, nas eleições de envergadura nacional reveste-se de um valor primordial: o de contribuir para o rumo que o meu país deve seguir, a fim de garantir desenvolvimento equitativo e social sustentáveis. Em última análise, o cidadão deve estar ciente de que votar é parte dos seus direitos fundamentais, “tidos por inerentes à participação na soberania do Estado ou no núcleo essencial da identidade do Estado”[3], incluindo “o de tomar parte na direcção dos negócios públicos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, de votar e de ser eleito, em eleições periódicas, e o de aceder, em condições gerais de igualdade, às funções públicas”[4] do país.

Apelar aos votantes para darem os seus votos aos partidos políticos grandes é um gesto político; um apelo á consciência dos compatriotas, um dever dos líderes. Contudo, os votantes detêm o poder de decidir. Terão que decidir entre partidos políticos grandes e partidos políticos bons. Aqui reside a consciência do votante. Na história da democracia, partidos grandes podem desaparecer e partidos pequenos podem crescer. A história de democracia também demonstra que partidos pequenos podem desaparecer. Uma das razões principais é a mudança radical da conjuntura política que, no passado favorecia a moldura política de um partido, mas no presente, a contraria. Por conseguinte, a diferença reside entre partidos bons e partidos que não prestam para um contexto político, no qual o país precisa de partidos políticos que sabem gerir o presente para garantir sucesso no futuro. Para o efeito, os votantes terão que ter acesso à informação fidedigna; necessitarão de entender bem as ideias que os líderes partidários querem transmitir para os convencer. Sobretudo, para os convencer que este partido é bom para o país porque tem bom programa, boa liderança e boa equipa para assumir devidamente as responsabilidades de governação. Para o votante é muito mais fácil se conseguir acreditar que existe, pelo menos, um partido grande e bom para governar e assegurar o futuro do seu país. O seu voto terá mais valor quando decidir votar por este partido com as qualidades necessárias. Na realidade, porem, o número de votantes indecisos constitui uma percentagem elevada e, em certos casos, a direcção dos votos da maioria dos indecisos poderá determinar o futuro do país. Na véspera da auto-demissão do primeiro-ministro Durão Barroso para assumir o cargo de presidente da Comissão Europeia, em Junho de 2004, o líder e fundador do CDS, Freitas do Amaral, escreveu uma carta aberta ao Presidente da República Jorge Sampaio pedindo para que “dissolva a Assembleia da República e convoque eleições gerais”, de forma a não converter “a democracia em 'partidocracia’”.[5] Esta exigência reflecte as preocupações de não colocar os interesses partidários acima dos interesses nacionais; obsessão com poder partidário e défice de boas políticas para salvaguardar o interesse nacional. Tais preocupações são elementos que podem favorecer a”partidocracia”, embora para Freitas de Amaral a preocupação era o contraste entre sete milhões de votantes que elegeram o Durão Barroso, contra setenta dirigentes de um partido a decidirem pelo seu sucessor.[6] Neste contexto, os votantes terão que entender quais são os interesses que constituem interesse nacional e quais são os interesses que constituem meramente o interesse partidário.

Votar nos partidos pequenos significa desperdiçar o meu voto?

– Partidos pequenos normalmente jogam com a política de agenda única. Ao promover esta agenda, facilmente caem no palco da política emocional. Contudo, a política emocional poderá cativar os votantes indecisos, sobretudo a camada de votantes frustrada com os partidos grandes por estes terem traído as suas filosofias originais ou terem governado com o que é entendido como governação irresponsável. Nos Estados desenvolvidos, pode-se dizer que a maioria dos votantes decide com base em benefícios derivados dos impostos, juros bancários e emprego. Em suma, os benefícios económicos e financeiros determinam a atribuição do voto. Nos países em desenvolvimento, todos estes factores também são relevantes, mas ainda mais relevante serão os factores que providenciam a segurança do país e da população nas zonas isoladas, incluindo infra-estruturas tais como estradas e pontes, electricidade e água e as oportunidades de criar pequenos e médios negócios e emprego. Neste contexto, as exigências aos partidos grandes nos países em desenvolvimento são enormes. Nos países desenvolvidos, as exigências não serão pesadas porque em termos de infra-estruturas e todas as outras necessidades pertinentes à estabilidade e segurança nacionais já não constituem prioridades determinantes à boa governação. É, pois, caso para argumentar que num país em desenvolvimento, sobretudo no contexto pós-conflito, votar nos partidos pequenos significa desperdiçar o meu voto.

Por fim, onde reside a paz nacional?
O voto nas eleições nacionais necessariamente contribui para a paz da nação. A escolha em si, é um acto de resolução de conflitos sob a perspectiva de prevenção. A democracia é a arte de compromisso político e a escolha livre e pacífica nutre o ambiente mais propício para o reforço da paz nacional. Os mecanismos constitucionais pertinentes à formação de governos não só permitem a necessária flexibilidade para constituir governos em situações pós-eleitorais difíceis, como também são a garantia de limitações do jogo do poder no âmbito da política de Estado. Na tomada de posse da seu primeiro mandato presidencial, na Assembleia da República, Presidente Cavaco e Silva reiterou a necessidade de não confundirmos estabilidade com a falta de actividade. A paz também não deve ser confundida com ausência de conflitos, porque desde que os conflitos não gerem violência extrema e mortes, podem contribuir para regular o ambiente da paz. Conflitos, regem os peritos, são oportunidades de clarificação de normas. O processo de clarificação de normas, sobretudo em regimes democráticos ainda frágeis, é vital para a consolidação da vivencia democrática.

Em suma, no contexto de Timor-Leste, votar nos partidos grandes simplesmente significa votar nos partidos que na eleição legislativa de Junho de 2007 foram os mais votados, ou sejam, a Fretilin e o CNRT. Se adoptarmos uma maior flexibilidade no conceito de ‘partidos grandes’, poderemos incluir também o PD.

Em última análise, o conceito de ‘partidos grandes’ poderá significar os partidos mais bem estabelecidos organizacionalmente. A Fretilin, o CNRT, bem como o PD, merecem tais atributos.

Em última análise, o povo se tiver que escolher entre incertezas políticas e a paz, a opção será a favor da paz no país para todos poderem viver em harmonia. Votar nos partidos melhor estabelecidos e já com maior probabilidade de conseguir maioria absoluta, ainda é uma luta para vencer. Uma luta para os votantes, bem como uma luta para os partidos políticos, porque cabe a estes convencer os eleitores de que merecem a sua confiança e o seu voto. Viver em paz, como diz o velho ditado, é um direito, mas é um direito que não se compra, conquista-se.

Agio Pereira
Díli, Dezembro 2011


[1] Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, p. 25
[2] Pode-se ver através de http://www.youtube.com/watch?v=oxidQ0OhP8E
[3] Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste, 2011, p. 27
[4] Idem
[5] “Freitas pede eleições em carta aberta a Sampaio”, TSF, 29.06.2004
www.tsf.pt/Common/print.aspx?content_id=769038
[6] Idem

*Em excluviso ao Forum Haksesuk!

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